Titio George Lucas já disse inúmeras vezes que sua ideia original para o projeto que virou Star Wars era refazer os pequenos filmes que compunham a série Flash Gordon, da década de 30 (no caso, entendendo-se que esses “pequenos filmes” eram exibidos semanalmente, em seções que duravam de 10 a 20 minutos). Como a licensa não estava disponível, Lucas caminhou para outras ideias, como o filme de Akira Kurosawa “The Hidden Fortress” e até mesmo o livro de Joseph Campbel “O Herói de Mil Faces”. Apesar das mudanças de enredo que acontecem em Star Wars, os filmes ainda estão repletos de referências à Flash Gordon, incluindo a rixa Rebeldes vs. Império, cidades nas nuvens, aquelas transições suaves (à lá Windows Movie Maker xD) entre cenas, a viagem à cidade subaquática num submarino que mais parece uma arraia e até mesmo a famosa abertura, com a introdução escrita “subindo” para o infinito da tela.
Os filmes de Flash Gordon seguiram de perto a tira de jornal de Alex Raymond. A primeira tirinha foi lançada em 1934, no pico da Grande Depressão. Muitos americanos estavam vivendo sob condições de extrema pobreza e desespero, então a ideia foi aceita como uma espécie de escape. Afinal, que fuga melhor do que ficar imaginando um amanhã mais bonito?
Flash Gordon em si baseou algumas ideias na primeiríssima tirinha de jornal sobre ficção científica, Buck Rogers (sim sim... e agora provavelmente vocês estão se lembrando de “Duck Dodgers”... é... nada é por acaso! xD), lançada em 1929. Ambas continham naves espaciais muito parecidas, pistolas laser, roupas diferentes, equipamentos que poderiam ter muito bem vindo dos filmes de James Bond (se eles existissem xD), cortes de cabelo e até mesmo a aparência das criaturas! A tirinha de Alex Raymond provavelmente cativou mais o público por ter uma arte mais atraente e bem trabalhada, além da narração e por ser a primeira à chegar aos cinemas da época, mas muito do vocabulário usado em Flash Gordon veio do vocabulário de Buck Rogers. O Universal Studios ganhou um bom dinheiro com Flash Gordon, então quando a série terminou, a ideia era lançar outra série de ficção científica naqueles moldes imediatamente depois. O caminho mais óbvio foi fazer uma série de filmes sobre Buck Rogers, e o ator escolhido para o papel principal era o mesmo que havia feito o papel principal em Flash Gordon, Larry “Buster” Crabble. Essa utilização do mesmo ator para personagens tão parecidos basicamente fundiu ambos personagens num só.
Buck Rogers apareceu pela primeira vez em um romance chamado Armageddon-2419 A.D., de Philip Francis Nowlan, na edição de Agosto de 1928 da revista Amazing Stories. Foi John Flint Dille, na época o presidente da National Newspaper Service syndicate, quem teve a inspiração para fazer a primeira tirinha de ficção científica. Ele contratou Nowlan para escrever enredos baseados no enredo de seu romance, e o artista Richard Calkings para ilustrá-lo. As naves especiais e os equipamentos utilizados pelos personagens foram influenciados pelas ilustrações de Frank Paul, o ilustrador da casa da revista Amazing Stories. A visão de Paul foi a grande responsável por criar a percepcção do público de que uma nave espacial seria o cruzamento de um foguete com um submarino. Em 1946 foi oferecido ao mundo o design alternativo mais aceito de uma nave espacial, o “Flying Saucer”, mas a imagem construída por Paul permaneceu predominante até que a USS Enterprise de Star Trek sacudiu as regras em 1966.
Mas, todas essas pessoas (Alex Raymond, George Lucas, Francis Nowland e Frank Paul) foram influenciados pela série “John Carter, Warlord of Mars” de Edgar Rice Burroughs (quem escreveria Tarzan algum tempo depois). O primeiro romance de Burrough foi “A Princess of Mars” (de 1912), que foi REALMENTE a primeiríssima, aquela que viria para satisfazer os desejos de todos, história de ficção científica! O herói era magicamente transportado para Marte; um lugar (óbviamente) repleto de mulheres deslumbrantes, eternamente jovens e vestidas apenas com jóias (>.>). Homens eram apreciados apenas por suas habilidades em combate, e o alter-ego do leitor, sendo de um planeta com uma gravidade muito maior que é a Terra, era muito mais forte que os Marcianos. Essa série normalmente passa desapercebida da memória pública, principalmente porque os literatos não dão a mínima pra ficção científica, e a comunidade que aprecia ficção científica se esforça ao máximo para de distanciar daquelas “fantasias juvenis” na (inútil) esperança de convencer os literatos a levá-los à sério. Na realidade, é mesmo uma pena esse livro não ser mais conhecido, porque se você ignorar alguns pontos da história (que é de nos fazer sentir saudades dos filmes de James Bond), “A Princess of Mars” é uma das mais empolgantes, imaginativas e bem feitas histórias de aventura de todos os tempos, no mesmo naipe de Star Wars. A heroína, Dejah Thoris, é um modelo de mulher forte até mesmo para o que conhecemos hoje, que dirá para os padrões de 1912; ela não luta muito, mas ela também enfrenta o perigo e faz sacrifícios. E, apesar da visão James-Bondiana masculina do ambiente em que ele vive, o herói John Carter é um marido fiél e um bom pai.
Como muitos escritores de ficção científica antes, Burroughs emprestou ideias de H.G. Wells, faroeste, H. Rider Haggard e outras fontes comuns, mas ele também quebrou as convenções importando ideias da psicologia do século 19, particularmente de Helena Blavatsky e Edgar Cayce. Parte da genialidade de Burrough foi adivinhar que ideias como telepatia, projeção astral, gigantes de quatro-braços e plataformas mágicas voadoras seriam apenas apelativas como vistas em “Lost Atlantis” e “Lost Lemuria”.
A lição mais sutil que Star Wars herdou de Flash Gordon é a ideia de um conto de fadas onde a tecnologia substitui a magia. Essa ideia veio mesmo de H.G. Wells. Ele criou arduamente o gênero que agora temos por “ficção científica” em seu primeiro romance, “The Time Machine” (de 1895). Wells acreditava que a cultura requer algum mito para seguir em frente, e o mito precisa de embasamento plausível para funcionar adequadamente. Wells acreditava que a Revolução Industrial destruiu silenciosamente a visão de que contos de fadas podiam ser reais, drenando totalmente o poder dos contos no imaginário das pessoas. Ele usou a era industrial para criar um novo tipo de mágica: máquinas do tempo ao invés de tapetes voadores, Marcianos como Dragões e Magos como Cientistas! Wells baseou seu “novo tipo de mito” parcialmente em trabalhos de outros escritores, como Júlio Verne, Edgar Allan Poe e especialmente Mary W. Shelley. Ele combinou essas ideias com os cartoons políticos que ele gostava quando criança (da revista de humor Punch), exagerando alguns aspectos do mundo para contornar os preconceitos dos leitores e fazer paralelos políticos. Wells chamou esse seu novo gênero de “fantasia científica”.
Aos interessandos, procurem mais sobre o livro “The Unauthorized Star Wars Compendim”, que foi particularmente útil como fonte ^^
Poderia entrar mais no mérito dessa questão, e falar mais também da influência de Akira Kurosawa, mas isso deve ficar pra um outro post... ^^~
See you later, pessoinhas!
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